Quando me tornei mãe
 



Cronicas

Quando me tornei mãe

Carol Canabarro


Não sei ao certo quando uma mulher percebe sua propensão à maternidade. Para umas pode ser ao segurar com força e delicadeza a nuca da primeira boneca, para outras pode ser no momento em que uma criança sai de seu ventre. Comigo, aconteceu aos nove anos, quando estanquei a infância para cuidar da minha mãe com depressão.

Nesse momento, acho que algo mudou no universo, daquelas coisas que acontecem em filme hollywoodiano de trocas de corpo, sabe? Porque passei a tratar minha mãe como filha. Não na parte material da relação - ela continuava sendo a provedora da casa e eu continuava indo para escola. Foi sua saúde mental fragilizada, sua inclinação ao sofrimento que me fizeram nunca abaixar a guarda.

Como em uma crise de meia idade, no final da adolescência, joguei tudo para o alto e fui morar sozinha em outro Estado. Queria testar minhas asas sem o peso da responsabilidade. Minha mãe foi a primeira a conceder apoio. Provavelmente ela também queria sair de baixo da minha asa. Foram anos de aprendizado, para nós duas.

Depois de uma ou três lapadas da vida, a Síndrome do Ninho Abandonado recaiu sobre mim e voltei para junto dela. Seu sorriso passava das orelhas. Era bom ter-me de volta e, confesso, era bom voltar. Brincamos de filha-mãe por mais uns anos. Tivemos brigas estratosféricas, reconciliações novelescas, mas, na maioria do tempo, dias de serenidade.

Até nos depararmos com nosso maior desafio: aos 73 anos, minha mãezinha descobriu ser HIV positivo.

A bordoada foi grande. Mais na cabeça dela do que na minha. Felizmente eu estava preparada para essa nova/velha fase da maternidade: passar horas acordada para ter certeza de que ela está recebendo os cuidados necessários, trocar fraldas, (re)ensinar a caminhar, preparar papinhas, convencer a tomar os incontáveis medicamentos e, tudo isso, mantendo-a longe da depressão.

Trouxe-a para morar comigo e com meu companheiro, o que a incomoda sobremaneira. Talvez por saudade da sua autonomia (aqui em casa tem que dançar conforme a nossa música), por querer me dar uma folga do papel de mãe, ou ainda, pelas duas coisas. Apesar de a situação comprimir minhas costelas, dou meu melhor e exijo o seu melhor. Quero que ela recupere plenamente suas forças e realize todos os sonhos que porventura tenha pendurado.

No fundo, é isso que toda mãe deseja, não é mesmo?


Carol Canabarro, apaixonada por literatura e animais. Foi atleta, garçonete, especuladora financeira e professora. Morreu duas vezes, ressuscitou em ambas. Hoje é escritora em construção do curso de Escrita Criativa da Metamorfose e escrava de três gatos.

 

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